Obra comentada de: "Os Sertões"
Os Sertões de Euclides da Cunha: entenda a Guerra de Canudos
Euclides denunciou um dos maiores massacres
da história do Brasil
Foi em outubro de 1987 que o
jornalista, engenheiro e militar Euclides da Cunha descobriu um sertão muito
diferente do que ele e outros colegas costumavam relatar nas páginas dos
jornais da capital. Enviado como correspondente ao nordeste da Bahia pelo jornal O
Estado de S.Paulo, o autor passou quase dois meses observando de perto o
conflito de Canudos. A cobertura rendeu, em 1902, o livro “Os Sertões”, hoje
considerado o primeiro livro-reportagem brasileiro.
Antes da experiência, Euclides já
havia defendido ferrenhamente em artigos que o movimento de Canudos era
monarquista e tinha como único objetivo derrubar a república, mas revê essa
posição em Os Sertões, depois de conhecer as condições de vida dos
sertanejos e a organização da comunidade liderada por Antônio
Conselheiro.
Em sua terceira e última parte, Os Sertões traz um relato minucioso da Guerra de Canudos, considerado
por críticos literários um estudo historiográfico. Mas, antes disso, nas duas
primeiras partes do livro, Euclides situa o leitor sobre dois elementos
decisivos para o entender a Luta: A Terra e o Homem.
Valendo-se de suas habilidades
militares e até científicas, ele descreve na primeira parte a flora, a fauna, o
relevo e outros aspectos do sertão nordestino, fazendo um balanço final da seca
que assola a região. Na parte central do livro, fala sobre o sertanejo que
padece sob essas condições e o trecho é visto como um estudo antropológico e
sociológico.
É importante mencionar que a
formação intelectual de Euclides era determinista (teoria filosófica que
pregava que o meio e a raça determinam o indivíduo) e positivista (corrente que
defendia ideais de moral e progresso), o que sem dúvidas influenciou a forma
como ele descreveu os habitantes e sua relação com a terra. O racismo é especialmente
latente nessa parte da obra e o autor reafirma diversas vezes que o “mestiço”
seria uma raça biologicamente inferior às outras.
Vivo em contradições, Os Sertões consegue ser, ao mesmo tempo, um livro preso e a frente do seu
tempo, já que embora tenha aderido a correntes racistas e deterministas em voga
na época, denunciou a o exército nacional e a República por dizimar Canudos e
assassinar milhares de seus habitantes.
A Guerra de Canudos
Antecedentes
A pequena comunidade de Canudos, no
nordeste baiano, já existia desde o século 18, mas viveu seu auge apenas no
século seguinte. A partir de 1893, o vilarejo passou por um crescimento
vertiginoso com a chegada de uma figura que marcaria para sempre a história do
lugar. Antônio Conselheiro era o apelido de Antônio Vicente Mendes Maciel, que
há anos vagava pelos sertões pregando valores sociais e cristãos.
Tido como profeta por seus
seguidores, Conselheiro criticava a recém instaurada república pelo seu
afastamento da Igreja e abarcava também em seus discursos as condições
miseráveis de vida dos sertanejos e o pouco auxílio que recebiam dos
governantes.
A República, na verdade, aparecia no
sertão quase que unicamente com um objetivo: a cobrança de impostos. A tudo
isso, associava-se ainda o histórico de concentração de terras improdutivas e a
seca da região. Com seu discurso messiânico, Antônio Conselheiro passou a
atrair cada vez mais gente para a região de Canudos, vivendo sob regras e
princípios que se descolavam cada vez mais da República. Ele rebatizou o
povoado de Belo Monte.
Incomodados com o crescimento da
vilarejo e com a ameaça que seus moradores poderiam representar, os
latifundiários da região moldaram pouco a pouco a opinião pública fazendo
acreditar que o plano de Antônio Conselheiro era construir um exército para
restaurar a monarquia. Em 1896, um episódio aparentemente banal desencadeia a
Guerra de Canudos.
Estopim
e as quatro expedições
Em outubro de 1896, Conselheiro
encomenda uma remessa de madeira de Juazeiro, para a construção de uma igreja.
Mesmo tendo sido paga, a encomenda não chega, e espalham-se rumores que de que
os sertanejos de Canudos pretendiam buscá-la a força. Cem soldados do estado da
Bahia são enviados para esperar a chegada dos seguidores de Conselheiro, mas
quando estes não chegam, decidem partir para o vilarejo.
No meio do caminho, os
“conselheiristas” se encontram com os militares e acontece o conflito da
primeira expedição de Canudos. Apesar
das tropas do governo terem “vencido”, já que foram 150 sertanejos mortos
contra 10 do outro lado, o exército não tinha mais forças para atacar Canudos.
Depois dessa, foram necessárias mais
três expedições até que o exército de fato derrotasse Canudos. Contabiliza-se
que entre 20 e 25 mil sertanejos tenham sido mortos, sem distinção entre
crianças, idosos e mulheres. Uma parte deles chegou a se entregar sob a
promessa de perdão da República, mas, depois de presos, também foram
assassinados. As casas do vilarejo foram destruídas e queimadas.
O conflito só acaba em 5 de outubro,
quando os últimos defensores morrem. Depois disso, o corpo de Antônio
Conselheiro, morto há dias em decorrência de uma desinteria, foi encontrado e
sua cabeça decepada para ser levada como troféu.
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